Geral

Retrato da pós a distância

- Claudia Bittencourt



Quem planeja fazer uma pós-graduação a distância no Brasil tem 3,2 mil opções de curso. Desse total, porém, a maioria está nas mesmas áreas: 71,6% são de Negócios, Direito, Ciências Sociais ou Educação. Entre as pós presenciais, a tendência é parecida: 60,3% são desses quatro campos. 

As informações foram compiladas no sistema de cadastro de cursos do Ministério da Educação (MEC). No segundo semestre de 2014, as escolas tiveram de registrar pela primeira vez seus cursos lato sensu, como especializações e MBAs (Master Business in Administration). Até então, a pasta só tinha o levantamento de mestrados e doutorados.

Essa concentração de áreas, afirmam especialistas, deve-se a demandas de mercado, com mais formados em cursos superiores de Administração, Direito e Pedagogia. Também pesam as dificuldades de abrir cursos em outros setores, como Saúde e Engenharia, que enfrentam resistência das entidades de classe e costumam ser mais caros por causa das exigências técnicas.

Entre os públicos atraídos pelas pós-graduações a distância estão aqueles que pensam em mudar de área ou se recolocar no mercado. O administrador de empresas Rômulo Salomone, de 57 anos, arriscou-se em um MBA online de Finanças de olho em novas chances de trabalho. "A pós online ajudava porque podia resolver outras coisas durante o dia", diz. 

Deu certo. Enquanto fazia o curso, entre 2013 e o ano passado, Salomone conseguiu abrir um escritório e, hoje, é consultor em uma imobiliária. O preconceito em relação aos cursos virtuais, diz ele, nunca foi problema. "Priorizo meu conhecimento, pois sempre tive meus negócios. O que me faltava era saber mais sobre gestão", avalia. 

O diretor nacional de Pós-Graduação da Estácio, Victor Lamas, explica que as formações em Negócios também fazem sucesso com profissionais de outras áreas. "Um médico que vai assumir uma clínica, por exemplo, busca um curso na área de Gestão", afirma. 

O momento de desempenho fraco do setor produtivo também leva profissionais a migrarem para a área de serviços, segundo especialistas. Com isso, a tendência é de que esse grupo também procure formações de Gestão, Marketing e Finanças. 

SELEÇÃO CRITERIOSA

Com um leque vasto de pós virtuais na área de Educação, muitas em escolas pouco conhecidas, a escolha do curso é o teste mais importante para futuros alunos. Com receio de eleger uma especialização fraca, a professora de Letras Margareth Gonzales, de 56 anos, levou dois meses para bater o martelo. "Consultei vários colegas e busquei aqueles em que o currículo estava de acordo com o que queria." 

Diferentemente dos mestrados e doutorados, cursos lato sensu não têm notas dadas pelo MEC. Desde 2013, o Conselho Nacional de Educação estuda marcos regulatórios para especializações e MBAs e também para o ensino a distância. O objetivo é ter mais controle sobre a qualidade e a oferta dos cursos nessas modalidades. A expectativa é de que esse trabalho seja concluído ainda neste ano.

Após a pesquisa pelo melhor curso, Margareth decidiu fazer uma pós em Docência no Ensino Superior em uma escola de São Paulo, mesmo vivendo na Argentina. "Eu só vinha para as avaliações presenciais." Satisfeita, ela repetiu a dose: um segundo curso online em Psicopedagogia. 

Na entrevista de emprego, o nome da instituição pesa mais do que a modalidade do curso. "Em geral, nem vem no currículo se foi a distância", diz Jacqueline Resch, diretora da Resch RH Consultoria. "A pós presencial é mais valorizada, mas isso está mudando." 

Além de precisar ter bom conteúdo, a pós online também exige perfil mais maduro do estudante. "Geralmente, é alguém que consegue se aprofundar mais no assunto, com autonomia e disciplina", destaca Carlos Fernando Araújo, pró-reitor de Ensino a Distância da Cruzeiro do Sul Educacional. 

PRÁTICA EM SAÚDE É SUBSTITUÍDA POR ESTUDO DE CASO

Nos cursos a distância, a maior parte ou toda a vivência em hospitais e laboratórios é substituída por estudos de caso pela internet. Sílvia Regina Calil, de 38 anos, aprovou a especialização virtual que fez em nutrição clínica. "Não ficou nada a desejar", diz a nutricionista, que atua em um ambulatório para idosos. Ela reconhece que, entre colegas com menos experiência, o desafio era maior. "Eu tinha prática porque já trabalho. Alguns tinham mais dúvidas, mas os tutores solucionavam."

Em relação ao total de pós-graduações a distância, as especializações em saúde representam 11,7%, praticamente metade da proporção registrada na modalidade presencial (22,6%). Muitos dos cursos a distância nessa área não são clínicos, mas de gestão. Para especialistas, a forte demanda no setor deve mudar o cenário nos próximos anos. Para Fellipe Zaremba, coordenador de Educação a Distância da Anhembi Morumbi, uma alternativa é fortalecer o modelo semipresencial, de ensino a distância com maior número de encontros presenciais. O problema são os custos. "É necessária uma expansão de laboratórios."

ENTREVISTA

Rita Tarcia, diretora da Associação Brasileira de Educação a Distância: Custo restringe oferta a certas áreas

Por que Negócios, Direito e Educação dominam a pós-graduação a distância? 

Nem sempre na formação dos professores há uma discussão sobre o uso de tecnologias educacionais de forma intensa. E hoje vivemos um avanço, com alunos da educação básica como nativos digitais, o que motiva educadores a entender melhor esse processo. Também há uma grande necessidade de atualização dos professores, que nem sempre estão nos grandes centros. No Direito, os processos são, na sua maioria, mediados por tecnologia. Os próprios profissionais buscam familiaridade com isso. E os negócios estão em alta, o que resulta em um número grande de profissionais interessados. 

Mesmo com grande demanda de mercado, por que há poucas pós online de Saúde e de Engenharia? 

Primeiramente, por uma cultura específica de profissionais, que declaram certa preocupação sobre a educação a distância. Isso ocorre, muitas vezes, por desconhecimento de como funciona. Em alguns casos, temos cursos que lidam com habilidades, como as psicomotoras. Para atingir isso com o ensino a distância, seriam necessários recursos tecnológicos mais sofisticados, como simuladores. Isso restringe a oferta de cursos porque os custos ficam elevados. 

 

Fonte: Estadão