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Pergunte ao Especialista: principais dúvidas sobre gripe aviária
O pesquisador Claudio Maierovitch, da Fiocruz Brasília, esclarece dúvidas sobre a doença em um contexto de Saúde Única, destacando impactos na saúde pública e na economia.
Em maio deste ano, o Brasil registrou o primeiro foco de gripe aviária em uma granja comercial. Apesar de o vírus ser letal entre aves silvestres e de produção, oferece pouco risco à saúde humana e não é transmitida pelo consumo da carne de frango ou de seus derivados. No entanto, o pesquisador Claudio Maierovitch, do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde (Nevs) da Fiocruz Brasília, chama a atenção para medidas de prevenção, vigilância e atenção dirigidas à saúde pública, principalmente ações de educação sanitária voltadas aos pequenos produtores. Nesta edição do “Pergunte ao Especialista”, Maierovitch esclarece as principais dúvidas sobre a doença, em um contexto de saúde única, o impacto na balança comercial do país e as previsões de uma futura vacina.
Qual é a diferença entre gripe aviária e influenza aviária? Qual é o termo correto a ser utilizado?
Claudio Maierovitch: Gripe, tanto de humanos como de outros animais, é doença causada for vírus cujo nome é Influenza. Assim, os dois termos podem ser usados.
Apesar de ser altamente letal e transmissível entre aves, a gripe aviária representa, de fato, um risco baixo à saúde dos seres humanos? Quais são os riscos reais da gripe aviária para a saúde pública?
CM: O vírus da gripe aviária que traz muita preocupação atualmente causa infecções em aves, tem atingido alguns mamíferos, mas não se reproduz com facilidade em humanos. As pessoas que correm risco são as que têm contato direto com animais que podem estar infectados. Há o temor de que, conforme o vírus circula entre os animais, ele venha a sofrer modificações ou se combine com outro vírus e passe a infectar pessoas com mais facilidade, inclusive com a possibilidade de que venha a ser transmitido com os que causam gripe em humanos habitualmente. Caso isso aconteça, teremos uma situação muito perigosa, mas não é o cenário de hoje.
Como é transmitida a gripe aviária?
CM: A transmissão é como acontece com outros vírus causadores de gripe, pelo contato com secreções, fezes ou material proveniente de animais infectados, nesse caso, o risco praticamente se restringe a aves infectadas.
É exagero afirmar que a gripe aviária será a próxima pandemia? Caso sim, na sua avaliação, o Brasil está preparado para enfrentá-la?
CM: Não é possível prever qual será a próxima pandemia ou quando vai acontecer. A gripe aviária é uma ameaça potencial. Nenhum país está plenamente preparado para enfrentar uma pandemia desse tipo.
O Brasil é o terceiro maior criador de frangos do mundo, atrás de Estados Unidos e China, e ocupa o primeiro lugar em exportações, despachando 5,3 milhões de toneladas de carne por ano, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Até o dia 22 de maio, 19 países, além da União Europeia, haviam suspendido todas as compras de carne de frango provenientes do Brasil. Qual a sua avaliação sobre protocolos sanitários que bloqueiam as exportações de todo o país, considerando o contexto brasileiro?
CM: O Brasil tem um sistema bastante abrangente e efetivo para proteção de seu plantel. Os protocolos adotados no país são bastante seguros para impedir a comercialização de aves infectadas mesmo que o vírus atinja alguma criação. Assim, certamente há exagero quando se suspendem as importações de todo o país por ter havido problema em um estabelecimento isolado ou em uma única região.
A situação tem deixado a população temerosa quanto ao consumo de frango e seus derivados, como os ovos. Qual a recomendação?
CM: Não existe hoje qualquer risco de transmissão pelo consumo de aves ou ovos adquiridos no comércio formal. Aves doentes e aquelas da mesma criação não devem ser destinadas ao consumo. O consumo de carne de frango ou ovos crus não é recomendado pelo risco de transmissão de diversos tipos de agentes infecciosos. Pela mesma razão, a manipulação desses produtos deve ser feita com cuidados adequados de higiene. Por exemplo, superfícies, instrumentos ou recipientes usados no preparo anterior ao cozimento devem passar por limpeza antes de sua utilização para outros produtos ou com o produto pronto.
Desde 2004, quando o mundo teve conhecimento dos primeiros casos da doença, que, até então, era conhecida como a gripe do frango, quais foram as medidas de controle e prevenção adotadas pelo Ministério da Saúde?
CM: Desde a década de 1990, o mundo vem acompanhando a emergência e a disseminação da chamada influenza aviária de alta patogenicidade, designada assim porque causa a morte da maior parte dos animais infectados. Como há um risco teórico de que o vírus sofra modificações e passe a se disseminar entre humanos, vários países, e a própria Organização Mundial da Saúde, começaram a se preparar para essa possibilidade. O Ministério da Saúde desenvolveu um plano de contingência, passou a preparar a rede de laboratórios de saúde pública para identificar os vírus e instalou, em parceria com estados e municípios, um sistema sentinela para monitorar continuamente os tipos de vírus que circulam entre as pessoas. Além disso, foram elaborados protocolos de diagnóstico e tratamento e incorporados medicamentos específicos para combater os vírus influenza.
Quais seriam as ações de controle e prevenção da doença em uma perspectiva de saúde única?
CM: Além das medidas de prevenção, vigilância e atenção dirigidas às pessoas, é importante que sejam integradas àquelas que envolvem a saúde animal. Isso deve incluir o monitoramento de aves silvestres e de produção e também outros animais que podem ser infectados. É fundamental que os setores envolvidos (em especial autoridades de saúde, ambiente e agropecuária) mantenham rotinas de informação padronizada de forma sistemática e também em situações excepcionais.
No contexto de vigilância epidemiológica da doença, como é o trabalho integrado entre médicos e médicos-veterinários, uma vez que se trata de uma zoonose?
CM: A integração do trabalho dos diferentes profissionais deve acontecer de forma institucional. A detecção, a investigação e a notificação de casos são feitas pelos profissionais habilitados nas áreas de saúde animal, humana e de laboratório. Conhecimentos de cada uma das áreas podem ser úteis para as outras e devem ser disseminados ativamente. Em circunstâncias de transmissão ativa ou provável, todos devem estar envolvidos em atividades de prevenção, vigilância, controle e comunicação.
Como as pessoas podem se proteger para evitar a contaminação por gripe aviária?
CM: Hoje, o risco de infecção da população em geral é baixíssimo. Os que trabalham ou convivem com criação ou manipulação de aves e seus produtos devem ser protegidos por medidas e equipamentos específicos. É importante evitar contato com aves doentes ou mortas. Caso seja necessário, devem ser acionados os serviços de controle de zoonoses, saúde animal ou vigilância ambiental.
Qual é a importância de se investir em educação sanitária para pequenos produtores de frango?
CM: O Brasil é o país que mais exporta carne de aves e tem controles bastante rigorosos na cadeia de produção voltada para essa finalidade, bem como para a maior parte do suprimento nacional. Entretanto, há dezenas de milhares de pequenos produtores. É fundamental que haja um grande trabalho de comunicação para orientar os produtores, trabalhadores e suas famílias sobre a doença e sua prevenção. Além disso, os pequenos produtores devem ter suporte ativo e supervisão dos governos para fazer a prevenção, investigar casos suspeitos e adotar medidas de controle quando for preciso.
Há a esperança da vacina contra a gripe aviária. Como está o processo de estudos e desenvolvimento? Existe alguma iniciativa da Fiocruz nesse sentido?
CM: A mesma tecnologia usada para produção das vacinas contra a gripe utilizadas habitualmente também pode servir para vacinas contra a gripe aviária. O vírus da gripe aviária que circula atualmente não é transmitido de uma pessoa para outra. O temor é que o vírus passe por modificações ou se combine com outro vírus e passe a se disseminar mais facilmente. Nesse caso, será necessário identificar o subtipo do vírus e produzir vacinas adequadas a ele. Caso a gripe aviária passe a ser identificada com maior frequência em criações brasileiras, deve ser avaliada a possibilidade de vacinação de trabalhadores do ramo com vacinas que funcionem contra a versão atual do vírus. O Instituto Butantan, em São Paulo, tem condição de produzir tais vacinas e tem se preparado para uma eventual necessidade.
A gripe aviária é uma doença de notificação obrigatória para a vigilância em saúde pública, de acordo com a Instrução Normativa do Mapa nº 50/2013. De que forma é feita essa notificação? Qualquer pessoa pode fazê-la?
CM: A doença, caso identificada em pessoas, é de notificação obrigatória pelos profissionais, em acordo com as regras, documentos e fluxos definidos pelo Ministério da Saúde. As regras do Mapa [Ministério da Agricultura e Pecuária] devem ser seguidas em tudo que se refira à saúde de animais, inclusive quando forem identificadas aves mortas ou doentes por qualquer pessoa.
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