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Entrevista com Dra. Lina Barreto: como desenvolver ações de educação a distância efetivas para profissionais de saúde

- Ascom SE/UNA-SUS



A Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde (ABTms) entrevistou a consultora técnica da Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS), Dra. Lina Sandra Barreto Brasil, sobre como desenvolver ações de educação a distância efetivas para profissionais de saúde. Temas como os fatores fundamentais no desenvolvimento de ações educacionais a distância online, composição de equipe e padrões técnico-educacionais foram alguns dos pontos abordados durante a entrevista.

Confira! 

Lina Sandra Barreto Brasil é socióloga, antropóloga, mestra em educação a distância (EAD) pela Universidade de Brasília (UnB) e doutora em odontologia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP), com experiência de mais de 20 anos em planejamento, implantação e gestão de sistemas de EAD; em seleção e capacitação de equipes multidisciplinares para produção de cursos para EAD; e com desenho de recursos educacionais digitais multimídias. Dirigiu o Centro de Educação a Distância da Universidade de Brasília (CEAD/UnB); criou e dirigiu a Universidade Virtual da UnB; implantou a Universidade Virtual do Centro-Oeste (pela UnB); foi professora do departamento de Ciência da Computação/UnB. Prestou serviços a diversas instituições na área de EAD, entre as quais se destacam: TV Escola/MEC; Banco Central; Banco Mundial; Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz); Instituto Legislativo Brasileiro (ILB); Senado Federal; Rede Nacional de Informações em Saúde (RNIS); Universidade Corporativa da CAIXA; Eletronorte – onde desenhou e implantou a Universidade Corporativa Online –; Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) – onde foi diretora, criou e presidiu o Prêmio de Excelência em EAD ABED Pearson, por sete anos. Atualmente é bolsista da Fiocruz, onde atua em educação mediada por tecnologias interativas da Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS), um programa do governo federal, por meio do Ministério da Saúde.

ABTms: De acordo com sua experiência, quais são os fatores mais importantes no desenvolvimento qualitativo de ações educacionais a distância online?

Lina Barreto: Considero que há alguns fatores fundamentais a serem considerados antes de se iniciar a produção e a oferta dessas ações: a) uma estrutura tecnológica mínima necessária tanto para a produção dos recursos educacionais quanto para a sua distribuição aos usuários; b) um sistema de gestão que dê conta dessas duas etapas; c) uma equipe de EAD multidisciplinar bem capacitada que seja capaz de planejar, produzir e monitorar um sistema de produção integrado e que garanta a qualidade dos resultados obtidos; d) um planejamento detalhado tanto da produção dos recursos educacionais quanto da oferta do mesmo, que inclua etapas de pactuação dos resultados esperados por todos os integrantes do projeto (incluindo contratante e contratado) e que preveja pontos de controle ao longo do processo de produção e de oferta para avaliar e validar produtos e processos resultantes de cada etapa; d) utilização de padrões internacionais técnicos e educacionais e de TICs [tecnologias de informação e comunicação], tanto no processo de produção dessas ações quanto nas próprias ações desenvolvidas.

ABTms: Qual deve ser a composição mínima de uma equipe de EAD multidisciplinar para a produção dos recursos educacionais e qual tipo de capacitação deve ser provida e/ou exigida dela?

LB: De certa forma, essa composição da equipe é conjuntural, levando-se em consideração tanto os padrões tecnológicos em vigor no momento da produção quanto as exigências da própria configuração do conteúdo x objetivos de aprendizagem, que podem, por exemplo, exigir desenvolvimento de aplicativos específicos ou a utilização de softwares especializados para apresentação de algum procedimento.

No entanto, atualmente, pensando-se em uma equipe técnica básica da instituição produtora, sugerem-se os seguintes profissionais: 1) especialistas em planejamento e desenvolvimento de estratégias educacionais a serem distribuídas via web (preferencialmente com boa base de conhecimento em educação); 2) especialistas em desenho e desenvolvimento de conteúdos para multimídia com conhecimento das linguagens de cada mídia (um mix de conhecimentos da área de educação e de comunicação); 3) especialista/coach em gestão e monitoramento de processos de produção de EAD envolvendo equipes multidisciplinares (é possível encontrar esses três perfis iniciais em um único profissional que, nesse caso, poderá coordenar o processo de produção); 4) webdeveloper (área da TI); 5) webdesigner/ilustrador (área de TI e/ou artes visuais); 6) especialista em produção de vídeos; 7) especialista em direitos autorais na internet e bibliotecas digitais (área de Ciências da Informação).

De uma forma geral, esses perfis não são encontrados no mercado já prontos para atuar na construção de ações educacionais na modalidade EAD. Sendo assim, a instituição produtora deverá capacitar esses profissionais tendo como objetivos que sejam capazes de compreender a cultura educacional institucional, os padrões tecnológicos e a política de direitos autorais exigidos pela instituição que os contratou, além de compreender os objetivos educacionais e os prazos já pactuados no contrato e que devem ser respeitados por todos. Essa equipe deve ser capaz de planejar, gerenciar, produzir, monitorar e validar uma ação educacional, deixando-a pronta para ser ofertada aos alunos.

ABTms: Quais são as características desse planejamento detalhado da produção da ação educacional.

LB: Esse planejamento deve considerar que a produção de recursos educacionais envolve um processo complexo e interdisciplinar de conhecimentos para o qual é necessária uma equipe multidisciplinar, como já abordado na questão anterior. Apresento como exemplo o planejamento que sugerimos para ser utilizado na rede UNA-SUS, mas que pode ser utilizado em outros casos, com pequenas modificações. Ele é composto pelas etapas: planejamento da demanda, produção/organização dos conteúdos, Storyboard/roteiro, protótipo e o curso completo para a oferta como mostra o “Fluxo de Produção de Recursos Educacionais”, de minha autoria.

Para facilitar o planejamento da produção, a Dra. Lina Barreto criou o “Fluxo de Produção de Recursos Educacionais” (clique na imagem para ampliá-la).

É importante notar que o planejamento se inicia na demanda do curso, na qual são definidas questões importantes como qual a estrutura didática do curso; seu público; carga horária; e quais tipos de mídias serão utilizados (PD). Vale destacar que a definição do perfil do usuário do curso é fundamental nesta etapa, pois definirá o nível de profundidade dos conteúdos, a linguagem a ser utilizada e até mesmo os tipos de estratégias de aprendizagem, tendo em vista os estilos de aprendizagem do usuário em questão.

Essas informações são importantes levando-se em conta que a produção do curso é fortemente influenciada pelo montante de recursos financeiros e humanos disponíveis para essa produção (i.e: a quantidade e complexidade de mídias empregadas no curso são condicionadas por estes recursos).

ABTms: O que você destacaria nesse fluxo sobre a produção dos recursos propriamente dita?

LB: A produção dos recursos é iniciada quando os conteúdos começam a ser desenvolvidos (Produção dos Conteúdos) baseados no Planejamento Didático (PD), feito na etapa anterior. É importante notar que o fluxo prevê momentos de aprovação dos produtos de cada etapa. Na UNA-SUS costuma-se organizar ambientes online onde a rede de colaboradores que participa do curso (autores, equipe de EAD, contratante do curso etc) se comunica trocando experiências, fazendo sugestões e aprovando os produtos de cada etapa. Para este fim, na UNA-SUS, utiliza-se a ferramenta Basecamp, mas podem ser utilizadas outras ferramentas online para isso, inclusive o próprio Moodle. Considero que trabalhar em rede, usando tecnologias que estão disponíveis na internet, é fator imprescindível para um processo democrático de tomada de decisão e obtenção dos resultados esperados por todos.

Também chamo atenção para o storyboard (SB), ou roteiro educacional, e para o protótipo como dois recursos importantes da produção. O SB é uma espécie de roteiro de estratégias educacionais e mapa de uso de mídias baseado nos conteúdos desenvolvidos pelos especialistas. É tipicamente um documento de produção desenvolvido pelo desenhista educacional, ou instrucional, e visa orientar as equipes que irão implementar os recursos no seu formato final para oferta. Já o protótipo utiliza uma pequena porção do SB aprovado (uma unidade, ou algo similar) e implementa essa porção no formato que será apresentado ao aluno. Isso passa a ser uma “unidade conceito” do curso e servirá para que os avaliadores analisem se a navegação, as cores utilizadas, a forma como os vídeos foram criados e o formato das avaliações foram aplicados como indicado no SB já aprovado por eles. Isso permite evitar que, depois de todo o curso pronto, seja necessário refazer mídias como vídeo ou simulações que geralmente envolve custos e atrasos adicionais no cronograma.

ABTms: O que significa utilizar padrões técnico-educacionais atualizados e TICs para produzir cursos online?

LB: Com isso estamos nos referindo ao fato de que hoje não é mais possível pensar uma ação educacional online sem dotá-la de responsividade, ou seja, ela deve ser acessada de qualquer dispositivo de acesso à informação (celular, tablete, computadores etc).

Outros padrões tecnológicos imprescindíveis são a reusabilidade e a portabilidade dos recursos educacionais, as quais são garantidas tanto por um curso corretamente modularizado quanto pela aplicação de padrões que permitam o fácil trânsito desses recursos em qualquer navegador e/ou plataforma. Exemplos desses padrões são o scorm e o PPU (um padrão criado para empacotamento dos recursos da UNA-SUS). Mas isso não funciona se os direitos autorais não forem respeitados, então a produção precisa ter cuidado com o licenciamento de todo e qualquer material usado no curso (textos, imagens, vídeos etc).

Também é necessário que as ações educacionais sejam o mais multimídia possível, pois a linguagem da web inclui necessariamente o texto, o vídeo, áudio e animações, tudo de forma proporcional. Mas essas mídias devem servir, cada uma delas, a um propósito educacional. Algumas perguntas devem ser: qual o papel educativo deste vídeo? Ou por que usar vídeo no lugar de uma animação? Isso faz diferença na estratégia de aprendizagem? Quando o texto é imprescindível? O desenhista educacional deve ser capaz de responder essas e outras questões pedagógicas. Além disso, o material deve ser dialógico, ou seja, ele deve estabelecer um diálogo entre os conteúdos e o leitor. E esse diálogo deve ser instigante e desafiador, visando fomentar a aprendizagem.

ABTms: Pesquisas no campo da educação apontam a importância cada vez maior de se considerar aspectos culturais e de estilo de aprendizagem como influentes nos resultados da aprendizagem de alunos. Como você analisa isso no campo da produção de recursos educacionais voltados para profissionais de saúde?

LB: De forma ainda rudimentar, a relação entre cultura e aprendizagem pode ser observada desde a pré-história quando os nossos ancestrais hominídeos adquiriram a posição ereta, o que os tornou capazes de controlar o território com o olhar, e tornou as mãos independentes do caminhar, liberando-as para se transformarem em instrumento de múltiplos usos, mudando radicalmente a sua relação com a natureza. Essa foi a primeira revolução humana, à qual se sucederam tantas outras como a da linguagem, da agricultura, da imprensa, da educação laica e racional dos gregos, passando pelo cristianismo, o renascimento, o iluminismo e a atual sociedade da informação. Todos esses movimentos significaram rompimentos de uma cultura dominante existente para a instalação de uma nova cultura baseada em novos paradigmas culturais, influenciando fortemente o modo de ensinar e aprender. Nós estamos imersos na revolução do nosso tempo, com as tecnologias da informação, rompendo velhos e trazendo novos paradigmas que ancoram nossa sociedade, tais como: acesso à informação, espraiamento do relacionamento social, ubiquidade, comunicação online, colaboração e compartilhamento de conhecimentos, todos são produtores X consumidores de conhecimento etc.

As pesquisas sobre estilos de aprendizagem na saúde apresentam uma interessante combinação com aspectos culturais (i.e: características pessoais dos indivíduos com as influências do meio em que vivem fazendo com que escolham determinadas áreas do conhecimento). Apesar de ainda não haver resultados muito conclusivos sobre o tema, já existem alguns indicadores de que há, sim, diferenças entre o modo/estilo de aprender e a escolha das especialidades na medicina. Plovnick (1975) investigou a respeito do caminho pelo qual estudantes de medicina fazem suas escolhas por especialidades médicas, usando o Kolb Learning Style Inventory, que mede estilos de aprendizagem.

Os resultados do trabalho de Plovnick (1975) indicaram que tipos diferentes de carreiras médicas são associados a estilos de aprendizagem categorizados nos cinco níveis de comportamento do Inventário Kolb: os acomodadores, chamados de “concretos” na escala Kolb, escolhem especialidades em campo caracterizado por menor ênfase na orientação intelectual, mais intuitiva, do tipo “aqui e agora”, tais como medicina familiar e de cuidados básicos; já na categoria dos divergentes, com características básicas similares a dos acomodadores, recaem as especialidades cirúrgicas; os convergentes e assimiladores encontraram carreiras mais orientadas intelectualmente, com um componente substancial de pesquisa. Sendo as especialidades e subespecialidades clínicas escolhidas mais frequentemente por convergentes, e a medicina acadêmica e patologia selecionadas mais por estudantes assimiladores. O que chama atenção neste tipo de pesquisa é a interação entre o estilo do estudante e o processo educacional médico que parece ter alguma implicação em encorajar e desencorajar a seleção de carreiras particulares por estudantes.

Mas se isso influencia escolhas de especialidades, também pode auxiliar na construção de ações educacionais mais efetivas dependendo do tipo de conteúdo e do perfil profissional a quem se destina.

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Sugestões de leitura:

BARRETO BRASI, LS. Gestão e Monitoramento do Processo de Produção de Cursos da Rede UNA-SUS, Secretaria Executiva UNA-SUS, 2016, disponível em: https://moodle.unasus.gov.br/comunidades/course/view.php?id=32

CAMBI, F. História da Pedagogia, Editora UNESP, 1999.

Myers–BriggsTypeIndicator (MBTI) in http://www.myersbriggs.org/my-mbti-personality-type/mbti-basics/

O Aprendiz em Saúde, Quais são os Estilos de Aprendizagem de alunos de Medicina?, UFRJ/NUTES, 2009, blog in https://oaprendizemsaude.wordpress.com/2009/03/10/quais-sao-estilos-de-aprendizagem-de-alunos-de-medicina/

PLOVNICK, MS, Primarycarecareerchoicesand medical studentlearningstyles, comentado no blog O Aprendiz em Saúde, Quais são os Estilos de Aprendizagem de alunos de Medicina?, UFRJ/NUTES, 2009, https://oaprendizemsaude.wordpress.com/2009/03/10/quais-sao-estilos-de-aprendizagem-de-alunos-de-medicina/


Fonte: Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde (ABTms)