COVID-19

Seção Atualidades do hotsite sobre COVID-19 já reúne mais de 60 publicações

Por meio de textos curtos e linguagem acessível, o médico infectologista e doutor em epidemiologia, Sérgio Nishioka, traz para o debate, pesquisas e artigos publicados nas mais renomadas revistas científicas do mundo e discute tais temas sob diversas óticas.

- Cissa Paranaguá - Ascom SE/UNA-SUS



Desde o início da pandemia da COVID-19, a UNA-SUS lançou uma página especial para tratar exclusivamente sobre o tema, com informações oficiais, vídeos com especialistas, podcasts e cursos, destinados a profissionais de saúde e também à população geral.

Por meio de textos curtos e linguagem acessível, o médico infectologista e doutor em epidemiologia, Sérgio Nishioka, traz para o debate, na seção Atualidades, pesquisas e artigos publicados nas mais renomadas revistas científicas do mundo e discute tais temas sob diversas óticas.

Essa seção já reúne mais de 60 artigos que tratam desde questões biomédicas referentes ao coronavírus, como pesquisas sobre tratamentos e vacinas - e os devidos achados até o momento - até os possíveis impactos sociais adquiridos com a adoção de estratégias de proteção e prevenção. O objetivo é reunir informações científicas e fortalecer a difusão destas que acabam por ter visibilidade reduzida na grande mídia brasileira.

Nishioka possui graduação em medicina pela Universidade de São Paulo (USP), onde fez residência e mestrado em Doenças Infecciosas e Parasitárias. Ele também fez mestrado em Epidemiologia na London School of Hygiene and Tropical Medicine, no Reino Unido, e doutorado em Epidemiologia na McGill University, no Canadá. Foi professor na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), do qual já se aposentou. Cedido pela UFU, ocupou cargos importantes na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como gerente de medicamentos novos e pesquisa clínica e chefe do núcleo de vigilância pós-comercialização. No Ministério da Saúde, foi Coordenador-Geral na área de pesquisa clínica no Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) da Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) e Coordenador-Geral de Doenças Transmissíveis do Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis (DEVIT) da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Também foi cientista da Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra, trabalhando com avaliação clínica de vacinas para pré-qualificação. Desde janeiro de 2018 tem trabalhado para organismos nacionais e internacionais como consultor independente.

Conversamos com o Dr. Nishioka sobre rotina de pesquisa, leitura, opinião sobre alguns temas e a construção de estilo e escrita para essa seção tão importante em nosso portal.

Confira!

Sérgio, como funciona a sua rotina de pesquisa e leitura para definir aquilo que você traz para a seção de atualidades todas as semanas?

“Entendendo que o principal público alvo da UNA-SUS é formado por profissionais de saúde de áreas diversas, a ideia foi buscar temas mais amplos, de interesse mais geral, para todos os profissionais de saúde - ou a maioria deles - e colocar numa linguagem que não é coloquial, mas que também não fique presa à jargões e seja o mais compreensível possível para todas essas pessoas. Se eu trouxesse apenas os artigos originais publicados no New England, JAMA e Lancet, talvez tivesse mais dificuldade em produzir um texto conciso, passando, talvez, uma informação muito técnica. É por isso que busco os artigos nas seções de divulgação científica dessas revistas e, também na Science e na Nature, que são feitas por jornalistas científicos ou com treinamento científico, nos quais os artigos são escritos para digerir essa informação complexa, cujo público é científico, porém não necessariamente das áreas técnicas dos assuntos abordados. Nesse sentido, o que eu faço na verdade é divulgação científica. Captar a essência de um artigo mais complexo e tentar adaptar a linguagem, inclusive ao português, uma vez que a maioria dos artigos é publicada em inglês”.

Quais revistas e jornais você recomenda como leitura para quem tem interesse em se aprofundar mais nas pesquisas científicas que vêm sendo conduzidas em todo o mundo?

“Bom, a maioria das minhas leituras são em periódicos internacionais - New England, JAMA, Lancet, Science, Nature - nas seções de divulgação científica. No entanto, são textos apresentados em língua estrangeira. Mas, para quem tem facilidade com o inglês, por exemplo, é uma boa oportunidade de exercitar o idioma. Então, é bom porque você pode ler algumas dessas matérias, se inteirar dos assuntos, e até mesmo se aprofundar nos artigos originais. A divulgação científica nacional ainda não é tão forte quando comparada às revistas citadas acima. E a maioria delas é voltada ao público geral, como a Galileu e a Superinteressante. A BBC Brasil também costuma produzir bons artigos na seção de Ciência”.

Na sua opinião, qual foi a grande evolução durante a pandemia de COVID-19 no Brasil?

“O uso de máscaras. Os asiáticos já usavam, já era algo firmado culturalmente. E, hoje, acredito que o uso de máscaras continuará aqui também, mesmo com o controle dessa pandemia. Afinal, é uma forma de evitar uma série de outras doenças respiratórias”.

Na sua opinião, dos mais de 60 artigos publicados, qual o assunto mais interessante que você nos trouxe até agora? 

“Penso que um dos assuntos mais interessantes e que, na minha opinião, está sendo subvalorizado, é a questão do uso dos escudos faciais (face shield). Pouco tem se falado sobre isso, mesmo na literatura médica. Há algumas vantagens no uso dos escudos faciais, como dito no artigo do JAMA. Tudo bem que nem sempre é simples fazer com que as pessoas compreendam que é importante usar e como usar. Mas é algo barato, que ainda não pegou para valer aqui no Brasil. Mas acredito que vá pegar mais. Tenho visto cada vez mais pessoas com esses protetores na rua e nas redes sociais. Para pessoas, por exemplo, que trabalham como caixas, em contato direto com o público, é uma proteção muito importante. Às vezes, o estabelecimento já até inseriu aquele protetor de acrílico no caixa, que protege enquanto o atendente está ali atrás. Mas se a pessoa precisar se ausentar do caixa para resolver algo, por exemplo, perde aquela proteção. Então por que não incluir uma proteção adicional? O pesquisador americano do artigo do JAMA é bem mais incisivo na sua proposta, porque ele coloca o escudo facial até como uma opção à máscara. Isso eu já acho um pouco exagerado. Mas para correr ao ar livre, por exemplo, deve ser muito mais confortável para um atleta se exercitar com o escudo facial e não correr o risco de acabar com a máscara no queixo, como se observa com bastante frequência. Enfim, talvez pudesse ser algo a ser promovido para os esportistas. Outro fato que reforça ainda mais a importância dessa ferramenta é a proteção dos olhos. Afinal, por onde entra o vírus? Mucosas! Se você não usa óculos, por exemplo, seus olhos ficam desprotegidos. Esse é um exemplo claro para mim de que há algumas coisas disponíveis que não estão sendo devidamente divulgadas e aproveitadas”. 

Qual a sua opinião sobre o isolamento nos dias atuais?

“Nessa altura do campeonato, é muito difícil achar que vamos ficar eternamente isolados. Na prática, dificilmente convenceremos as pessoas a permanecerem por muito mais tempo em casa. O mundo já está se abrindo novamente e não somos nós que vamos seguir fechados, uma vez que não há clareza do impacto na economia que, cabe destacar, também acaba por afetar a saúde. E essa é uma das discussões que, infelizmente, se perdeu no jogo da polarização política”.

Então o que poderia ser feito?

“Considerando que as pessoas vão voltar a circular, que vão reabrir escolas e comércio, é preciso pensar em ações para lidar com esse cenário, para mitigar os danos, ainda que você seja contra essa opção do retorno ao convívio social. Precisamos caminhar juntos, nessa direção em que cada um também faça a sua parte. Um exemplo dessas pequenas ações que não tem um grande impacto, mas obviamente contribuem para um retorno mais seguro é ensinar às pessoas como usar a máscara, especialmente as crianças. Seria muito mais seguro que elas voltassem às aulas conscientes dessas regras de uso e proteção. Há quem discorde, mas vejo como algo que pode ser feito. Começar com pequenas ações até que seja possível implementar outras mais complexas. Baixar um pouco o sarrafo e promover coisas mais simples, de fácil entendimento, se possível intuitivas. Porque se você utiliza uma linguagem acessível e dá o exemplo, pode haver sim um impacto na saúde pública. A República Tcheca, por exemplo, adotou o uso de máscaras caseiras em larga escala e teve menor incidência quando comparada a países que não adotaram essa estratégia desde o início”.

Você acredita que estamos aprendendo? Que está havendo uma mudança de comportamento? 

“Antigamente não haviam proteções dos caixas, por exemplo. E quando haviam, eram baixas e não cumpriam o papel de proteção. Foi preciso prestar atenção nesses profissionais que sempre estiveram muito expostos a todo tipo de vírus e bactérias - e que seguiram trabalhando - para pensar estratégias de proteção. São cuidados que chegaram para ficar e que vão nos ajudar a evitar a disseminação de outras doenças mais comuns, como a gripe. Eu achei muito interessante observar essa mudança de mercado, de que existem muitos outros profissionais na chamada linha de frente, além dos profissionais de saúde. Porque a nossa tendência é achar que só os profissionais de saúde estão expostos, sendo que os caixas dos bancos, os atendentes dos mercados e farmácias e motoboys, por exemplo, também estão.”

A saúde mental também tem sido muito impactada pela pandemia. Alguns jornais chegam a dizer que a próxima pandemia será de saúde mental, em decorrência do momento que estamos vivendo agora. Qual a sua opinião sobre isso?

“Saúde mental, sem sombra de dúvida, tem todo um impacto social, inclusive para o profissional de saúde. E, surpreendentemente, é um tema com poucas publicações até o momento. Não imaginávamos que a pandemia fosse se estender por tanto tempo. Faltou clareza, estimativa de tempo. Para que o tempo tivesse se reduzido, seria necessário contar justamente com a ação e o cuidado de todas as pessoas. Especialmente daqueles que nunca pararam de trabalhar. Tirando um pouco o rigor do confinamento, estabelecendo as regras de distanciamento e proteção, é algo que já está acontecendo agora, mas foi pouco orientado. É como profilaxia de doenças sexualmente transmissíveis. A melhor proteção é não fazer, mas como isso é impraticável, há outras medidas. O bom senso é promover um convívio mais próximo, com os devidos cuidados. E no nosso clima, dá para fazer isso na maior parte do tempo. Em outros países, faz parte da volta às aulas, por exemplo, ter aula ao ar livre. E eu não vejo esse tipo de estratégia sendo discutida amplamente por aqui”. 

É importante destacar que você costuma trazer assuntos e tratá-los sob diversas óticas. Nem sempre concordando, mas trazendo à luz o que está sendo pesquisado. Acima você também destacou o quanto se perdeu com a polarização política da pandemia. Como você avalia a cobertura da grande mídia com relação a isso?

“A comunicação exige muita clareza. Mas para isso, você precisa primeiramente ter clareza de pensamento para passar a informação. Está faltando ênfase no que é possível ser feito na rotina das pessoas. Orientar a população e buscar soluções de fácil implementação ainda são a melhor forma de aproveitar o tempo, enquanto se financia estudos para encontrar as soluções de grande impacto. Talvez se consiga fazer algum bem, sendo mais pé no chão, menos utópico, com ações cujo efeito isolado não tenha um grande impacto de saúde pública, mas cuja somatória pode agregar valor na luta contra a pandemia. É preciso também, avaliar o risco e o benefício das ações. Se funciona, se é seguro e também, claro, qual o custo. Nesse período se falou muito do risco e pouco do custo. Ou o contrário, defendeu-se a economia, sem olhar para os danos causados pela doença. Com menos polarização e mais convergência, talvez tivéssemos conseguido fazer uma intervenção de isolamento social mais efetiva, com mais pessoas agindo corretamente. É preciso olhar a ciência da forma mais isenta possível, mostrando as diferentes experiências e os possíveis modelos propostos sem paixão. Cair na polarização é um erro pois, muitas vezes, um determinado modelo se mostra super promissor e depois vê-se que não é, e outro modelo, que nem havíamos dado tanta atenção, se mostra cientificamente mais efetivo. Mas a tendência é cada um puxar a sardinha para o seu lado, como se estivesse sempre 100% certo e o outro sempre 100% errado. E, frequentemente, a coisa tá no meio do caminho, certo?”

Você acredita que teremos uma vacina até o final do ano?

“Existe hoje uma enorme expectativa de que a vacina vá resolver todos os problemas, e isso acaba por se apresentar como algo maior do que realmente se sugere que vai acontecer. Mas não são as vacinas, sozinhas, que vão resolver o problema. E a expectativa da maioria das pessoas é essa, além de mergulhar mais uma vez no cabo de guerra político: vacina da China x Oxford x Rússia. Deveríamos torcer para todas as vacinas que estão sendo testadas. Por que torcer para uma só? Se uma só, no início, não vai dar conta. As pessoas não pensam que assim que sair uma vacina, é preciso produzí-la em larga escala para suprir vários países. E isso pode levar meses. A verdade é que é impossível fazer isso com a devida segurança até o final do ano. Não dá para fazer uma vacinação em massa sem que se tenha o mínimo de confiança, de que realmente é seguro. Os livros têm experiências péssimas de liberação de vacinas e medicamentos por falta de controle e segurança. O famoso caso da talidomida é um exemplo. Vale a pena repetir o erro da década de sessenta porque temos pressa? Essas grandes experiências negativas do passado de liberar medicamentos, inclusive vacinas, sem controle de qualidade dos produtos, tem que servir para alguma coisa”.

Outra coisa que se tem afirmado bastante é que essa não será nem a primeira e nem a última pandemia. No Brasil houve essa preocupação, dadas as pandemias em outros países, no passado? O que fazer para estarmos preparados para as possíveis novas pandemias?

“Preocupações com pandemia já existem há bastante tempo. Quando eu trabalhei na Anvisa entre 2003 e 2008, eu já participava das discussões sobre o tema com a OMS. Desde aquela época, foi pensado um plano de contingência, aqui no Brasil inclusive. Como seria a resposta a uma pandemia de uma gripe, por exemplo, com um vírus vindo da Ásia. Mas, para gripe, há vacina e medicamento e grande parte do plano desenvolvido era conseguir fazer vacina para todos no menor espaço de tempo. A forma como o Brasil lidou com a H1N1 é um exemplo disso. No entanto, o que  apareceu foi o coronavírus e ainda não há vacina, nem remédio específico para isso. Então, aquele plano de contingência era relativamente simples quando comparado ao que estamos vivendo. A esperança era que medicamentos existentes também funcionassem para outros vírus. Apesar de não termos lidado com o coronavírus antes, essa não foi a primeira pandemia de coronavírus no mundo. Quando houve a pandemia do SARS em 2002, a doença não teve tanto impacto no Brasil, mas nós poderíamos ter aprendido com as experiências dos países que tiveram forte impacto com a SARS e depois com a MERS em 2012. E nós não prestamos a devida atenção nas lições adquiridas através das experiências vividas por esses países. E nesse caso, devíamos fazer o mea culpa. Não sei se houve um alerta interno à época, mas claramente não houve vontade política de fazer disso uma prioridade. E nós estamos pagando o preço. Como agora estamos vivendo essa situação, acho bem mais difícil que não aprendamos nada”.

Fique por dentro das pesquisas mais recentes sobre COVID-19 na seção Atualidades, escrita por Sérgio Nishioka, em: https://www.unasus.gov.br/especial/covid19/atualidades 




Fonte: SE/UNA-SUS