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Atlas liga violência a indicadores sociais

2,2% dos municípios brasileiros, que também estão entre piores em saúde e educação, concentram metade das mortes violentas do Brasil.

- Ascom SE/UNA-SUS



A violência no Brasil é extremamente concentrada em algumas regiões e municípios, sobretudo naqueles que têm os piores indicadores sociais, mostrando que o combate ao problema pode ser menos complicado do que parece. Esta é a principal conclusão do Atlas da Violência 2018 Políticas Públicas e Retratos dos Municípios Brasileiros, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). De acordo com o documento, somente 2,2% dos municípios brasileiros concentram metade das mortes violentas do País.

Entre os dez municípios mais violentos, quatro estão na Bahia e dois, na Baixada Fluminense, no Rio. O município mais violento é Queimados (RJ), com a pior taxa do País, 134,9 (contra taxa média de 38,6). O local é seguido por Eunápolis (BA), Simões Filho (BA), Porto Seguro (BA), Lauro de Freitas (BA), Japeri (RJ), Maracanaú (CE), Altamira (PA), Camaçari (BA) e Almirante Tamandaré (PR).

O Atlas fez um mapeamento das mortes violentas dos municípios brasileiros com população acima de 100 mil em 2016, com base nos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. "Fica claro que, com planejamento e políticas focalizadas territorialmente, é possível mudar a realidade dessas comunidades, com grande impacto nas condições de segurança pública das cidades e mesmo do Brasil", diz o relatório.

O mapeamento das mortes violentas foi comparado a dez indicadores sociais, como acesso à educação, renda per capita, emprego e gravidez na adolescência. O estudo mostra que, quanto melhores são os indicadores, menores são as taxas de violência. "Vivemos em uma era de pessimismo e, muitas vezes, o medo nos impele a pensar saídas desesperadas, saídas que a gente sabe que não funcionam, como combater a violência com mais violência", diz o pesquisador do Ipea Daniel Cerqueira, um dos coordenadores do Atlas. "Várias cidades do mundo conseguiram reduzir a violência e há dois pilares centrais para isso: um sistema de segurança pública com base mais na inteligência e na investigação, e investimento na prevenção social."

Do outro lado. A cidade menos violenta do País fica em Santa Catarina. Trata-se de Brusque, que tem uma taxa de violência letal de 4,8 (ante média nacional de 38,6). Na sequência estão Atibaia (SP, com taxa de 5.1) , seguida de Jaraguá do Sul (SC, com 5,4), Tatuí (SP, com 5,9), Varginha (MG, com 6,7), Jaú (SP, com 6,9), Lavras (MG, com 6,9), Botucatu (SP, com7.1), Indaiatuba (SP, com 7,2) e Limeira (SP, com 7,4).

São Paulo tem 6 das 10 com menos registros

São Paulo tem seis das dez cidades menos violentas do Brasil: Atibaia, Tatui, Jau, Botucatu, Indaiatuba e Limeira – na edição anterior do Atlas, eram cinco. O resultado, de acordo com os pesquisadores, é consistente com o fato de São Paulo ter sido o Estado que mais reduziu a violência desde 2006, registrando, no total, uma queda de 46,7%.

“São Paulo é um caso muito interessante porque vem diminuindo sistematicamente e substancialmente suas taxas de violência letal”, explicou o pesquisador do Ipea Daniel Cerqueira. Segundo ele, existem várias explicações para o fenômeno e, até mesmo, controvérsia.

“Existe, em primeiro lugar, a questão demográfica, já que São Paulo é o Estado onde a população mais tem envelhecido e a violência é normalmente um fenômeno relacionado à juventude”, afirmou Cerqueira. “Outra razão é que São Paulo teve uma política muito forte de retirada de armas de circulação desde 1999, investimento na organização de informação de segurança e reorganização da delegacia de homicídios.”

O ponto mais polêmico estaria relacionado ao papel do Primeiro Comando da Capital (PCC). “Vários antropólogos mostram que o fortalecimento do PCC em meados dos anos 2000 teria contribuído para o fenômeno”, afirma Cerqueira. “Outros estudos, no entanto, mostram que a queda foi mais generalizada.”

Perguntas para Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública:

1. A constatação da relação entre piores indicadores sociais e criminalidade serve para quê?
O dado confirma que a violência é um fenômeno multicausal e não há uma receita única para ser utilizada nesse combate. Sabemos que não depende apenas da polícia, apesar da sua grande importância nesta questão. Hoje, a política pública mais disseminada é a prisão e, ao valorizar essa saída, o País, que tanto quer fugir dessa criminalidade, acaba cada vez mais se tornando refém dela. Precisamos pensar em estratégias de prevenção primária, com escolas e oportunidade de emprego, mas também a terciária, para os egressos do sistema prisional.

2. O estudo mostra uma concentração dos homicídios em pouco mais de cem municípios. Isso torna mais fácil a implementação de políticas para a área?

Isso reforça que ações universais podem não resolver o problema, com impacto reduzido e alto gasto de dinheiro público. Em vez disso, a opção pode ser por ações focalizadas em bairros desses municípios mais violentos, planejando uma política específica, com maior efeito.