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A discriminação além das palavras nos serviços de saúde do Brasil

- Ascom SE/UNA-SUS



Um artigo, publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva, da Abrasco, publicada em fevereiro/2016, abordou um tema "pouquíssimo estudado e de extrema relevância para a população brasileira", segundo um de seus autores, Cristiano Boccolini, pesquisador do Laboratório de Informação em Saúde (Lis), do Icict.

Intitulado "Fatores associados à discriminação percebida nos serviços de saúde do Brasil", o artigo é resultado do estudo epidemiológico de base populacional com dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Para 10,5% dos brasileiros, médicos ou profissionais de saúde os discriminam nos atendimentos, seja por "falta de dinheiro" (5,7%) ou por classe social (5,6%) - as duas maiores incidências.

Segundo Cristiano Boccolini, essa discriminação não pode ser menosprezada: "O cidadão que se sente discriminado por médicos ou outros profissionais nos serviços de saúde pode ter impactos negativos na sua saúde mental e física, incluindo estresse emocional e sintomas depressivos, sendo que os mecanismos envolvidos podem estar tanto relacionados ao crescimento do nível de estresse, e consequente aumento de cortisol", explica.

O estudo aponta que as mulheres, indivíduos com ensino fundamental incompleto, não brancos, e sem plano de saúde privado tiveram maior chance de serem discriminados quando atendidos no sistema de saúde. E isto se reflete no acesso: "A discriminação também pode representar uma barreira de acesso aos serviços de saúde, levando tanto a subutilização dos serviços de saúde, quanto a baixa adesão às recomendações do profissional de saúde", afirma Boccolini. 

Exemplos de discriminação não faltam. Elenice do Rosário tem um plano de saúde modesto, destes que não tem propaganda na televisão nem nos jornais. Em dezembro do ano passado, ela e sua mãe levaram sua avó de 96 anos, que não estava passando bem, a uma clínica particular, em Bento Ribeiro (zona norte da cidade do Rio de Janeiro/RJ)). Segundo Elenice, a médica que atendeu a sua avó que ela necessitava de hemodiálise, mas que "não passaria nenhum remédio, pois o único que seria possível, custava mais de R$ 300,00 e elas não poderiam pagar".  Em choque, ela e sua mãe discutiram com a médica e conseguiram que a profissional, enfim, receitasse o medicamento para a idosa.

Para Boccolini, infelizmente o Brasil convive com "acessos seletivos, excludentes e focalizados que se relacionam ao poder de compra do usuário, tendo como consequência a deterioração da qualidade da atenção prestada nos serviços públicos e privados".

Norte e centro-oeste 

Ainda segundo o artigo, indivíduos entre 30 e 59 anos foram os que mais relataram as discriminações por falta de dinheiro e classe social, mas um outro dado chama a atenção: a discriminação vista sob a ótica das regiões do país. Na análise feita também pelos pesquisadores do Lis, Célia Landmann Szwarcwald (coordenadora técnica da PNS 2013), Patrícia Bocclini, Giseli Damacena e Arthur Pate Ferreira, que assinam também o artigo, a discriminação foi mais percebida nas regiões Norte e Centro-Oeste, com respectivamente 10,2% e 9,6%. 

"O acesso aos serviços de saúde pode representar como se dará a relação entre estes e o usuário, e, para garantir livre acesso dos cidadãos, foi lançada a “Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde”, de 2007, que garante o atendimento livre de discriminação a todo o cidadão brasileiro. Ainda assim, um em cada dez brasileiros relata ser discriminado por médicos ou outros profissionais nos serviços de saúde. Sendo assim, é necessário amplo debate para identificar os principais motivos para a população relatar tão frequentemente ser discriminada, protegendo pró-ativamente os grupos mais vulneráveis a essas práticas", alerta Boccolini.

E a saúde da população não pode esperar. Telma Dantas se sente discriminada todas as vezes em que vai à Clínica da Família próximo à sua casa, na Linha Amarela, também na cidade do Rio. Ela afirma que o atendimento às pessoas que moram na comunidade não é bom. "A gente vai lá marcar consulta e a demora é de três, quatro meses, porque o pessoal não prioriza o atendimento dos moradores da região, tratam a gente com o maior descaso, como se estivéssemos pedindo um favor", afirma. 

Cristiano Boccolini acredita que a discussão sobre discriminação ajudará o Brasil a melhorar o acesso à saúde: "Ao assegurar a garantia legal de todo brasileiro ser tratado sem distinção nos serviços, sejam eles públicos ou privados, poderemos tanto reduzir as barreiras de acesso aos serviços, quanto melhorar a adesão aos tratamentos e procedimentos preconizados".

Para ler o artigo "Fatores associados à discriminação percebida nos serviços de saúde do Brasil" na integra, clique aqui.

Fonte: Icict, por Graça Portela